Série Adolescência: bom plano sequência para mostrar a geração…

A primeira cena parece tipicamente Os Infiltrados, o bom thriller de Scorsese. Você pensa que vai ser mais uma série policial. Em pouco tempo, descobre que é melhor do que isso. Bem melhor.

A polícia arromba a porta de uma casa comum, suburbana — que depois se descobre ser de um trabalhador limpador de privadas e bom pai — e entra aos gritos, armas em punho, como se fosse prender um criminoso de alta periculosidade.

Mas o que encontra é um garoto de treze anos, encolhido na própria cama. Cueca, olhar assustado, lençóis molhados de urina. Literalmente. Aí você percebe a complexidade técnica de ‘’Adolescência’, novo hype da Netflix que ela fez bombar nas mídias da América Latina.

Para quem gosta da magia do cinema — e quem entende um pouco da vida própria dos roteiros e dos bastidores atrás das câmeras — você se depara com um belo e raro plano sequência. Se fazer um filme de 100 minutos já era difícil, uma minissérie de 4 episódios de 50 minutos cada é ainda mais.

Mas o bom de ‘Adolescência’ não está apenas na técnica. Está na psicologia. É uma série não só visual, mas psicológica.

Um mergulho na complexidade da juventude contemporânea, sem recorrer à violência gráfica ou aos clichês do drama adolescente.

Aqui, o sangue não escorre — você mais imagina do que vê. Talvez por isso a série se assemelhe à boa literatura. Aquela que você lê, crê, imagina, deduz.

A câmera não corta. Tudo acontece em plano sequência. Não há respiro. Não há pausa. E isso funciona bem.

É como se a lente fosse um fantasma pairando sobre os ombros dos personagens. A estética não é só bonita, é bem feita. Parece com a vida. A cena em que a família sai para ir comprar uma lata de tinta — picharam a van deles — é como a vida. Você está feliz de manhã. Minutos depois, algo ruim acontece e seu humor muda.

Depois, você vai procurar resolver um problema e cai em outro. E depois em outro. Quando vê, está jogando a bicicleta de um adolescente no lixo e recebe uma ligação, enquanto volta pra casa, com seu filho dizendo que vai mudar o depoimento e confessar tudo. Isso é a vida. A vida como ela é — não a cruel tupiniquim de Nelson Rodrigues, mas a vida como se parece para todos nós.

O ponto de partida é uma investigação policial aparentemente simples. Uma adolescente é esfaqueada, morre, e precisa-se achar o culpado.

Um tênis Nike branco e azul vira peça-chave. Mas logo fica claro que o caso não está nos autos — está nas entrelinhas. É uma boa série psicológica. Quando a câmera precisa mudar de bairro — quando sai da delegacia e vai até o local onde o crime ocorreu — vai de drone. Uma verdadeira inovação. E ficou boa.

Os investigadores tentam aplicar velhas fórmulas a um novo tipo de crime: emocional, digital, psicológico. Quando o policial negro vai à escola — boa atuação, inclusive — ele procura uma faca, a evidência real do crime.

Mas, lá, encontra a verdadeira motivação: o incel, o celibato involuntário, tema central da produção.

E tudo isso está lá com dois, três emojis — e até a reverência a Matrix (que também gosto muito, frisa-se), com as pílulas azul e vermelha de Neo e Morpheus imputadas em Alice Através do Espelho, de Lewis Carroll.

Quem aponta o rumo é o filho do policial, um adolescente. É ele quem mostra ao pai o que muda na geração Z. Ele explica onde estão as verdadeiras pistas: no Instagram, nos jogos online, nas salas virtuais, nos avatares que representam mais do que qualquer RG.

A série escancara um abismo geracional: os jovens vivem em outra realidade — e os adultos nem sabem como acessá-la.

Até pais novos, como é o caso de muitos de nós, têm dificuldade para entrar nos Roblox da vida. Falo por mim, um caso real aqui de casa.

Sobre a produção: quatro episódios, todos bons. O mais monótono deles — o diálogo com a psicóloga — é um banho de boas atuações. O garoto de 13 anos é um grande ator. E as investigações típicas da psicóloga tentam encontrar a causa freudiana nos pais — no pai, principalmente.

É uma mostra de que a alma humana é bem mais sofisticada que teorias simplistas de pais que estragam os filhos. Não é o caso, fica evidente.

Adolescência chama atenção para novos buracos de minhoca entre gerações. A internet de hoje, eterna, provável, com as novas IA, nos deixou mais intransponíveis.

A violência aqui não é explícita. O vídeo que prova tudo mal aparece. Só é mostrado desfocado, aos poucos. A dureza está na hora em que o pai chora ao ver a realidade. Ou no diálogo final com a mãe, quando cancelam um cinema no dia do aniversário do pai e se martirizam, se culpando pela forma que educaram o filho na frente de um PC no quarto ao lado. Afinal, quem poderia prever que havia perigo em quatro paredes?

A geração Z é boa com algoritmos do digital, tendências e viralizações, mas não consegue decifrar a própria ansiedade. Lida mal com suas emoções. Não tem os freios do id, ego e superego do pai das explicações humanas.

O termo incel, usado com naturalidade por personagens adolescentes, é a palavra do hype. Reflete que 80% das meninas escolhem 20% dos meninos. Nasce aí uma nova masculinidade ressentida, construída em fóruns de ódio e solidão. É onde nossas telas estão levando novos filhos.

E talvez esse seja o maior mérito de Adolescência, além da ótima parte técnica e das boas atuações. É um crime democrático, que pode atingir qualquer um de nós, pais e mãesX

Serve como um bom alerta, mas sutil. Sites e revistas grandes como a ‘Veja’ estampam a cara do garoto, que talvez até vire símbolo de uma nova preocupação familiar da nossa geração.

João Paulo Teixeira é publicitário, roteirista e empresário. Trabalha na agência Mind Digital e em sites como GONews e JusReal.

E-mail
joaopaulo@agenciaminddigital.com.br

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